O encantamento da neve

Para nós, habitantes dos trópicos, ver neve pela primeira vez é encantador e inesquecível. Crescemos com uma forte influência cultural dos povos do norte do Equador exibindo-nos a cada fim de ano a magia da neve. Nós compramos a ideia, e ficamos ansiosos para um dia finalmente vê-la ao vivo e tocá-la, como nos filmes, ou como naquela capa do cartão de natal.

Uma grande amiga foi à Espanha neste último inverno visitar seu filho que fazia um intercâmbio por lá. Os dois estavam conversando tranquilamente quando ela viu umas “coisinhas” brancas no cabelo dele. Muito cuidadosa e preocupada como é, ela logo perguntou: “Meu filho, você está com caspa? O que é isso no seu cabelo?”. Ele sem entender responde:“Que caspa, mãe?”. Ela insiste: “Isso aí branquinho no seu cabelo”. “Mãe, você não está vendo que começou a nevar?”. Ela achou tanta graça nessa situação que foi a primeira coisa que me contou quando chegou ao Brasil.

A minha mãe também fez questão de visitar-me no inverno quando eu estudei na França, só para realizar o sonho de infância de ver neve. Naquele ano, dezembro se aproximava e nada da neve chegar. Aos poucos fui alertando-a que as previsões não eram muito otimistas, era possível que nem nevasse naquele inverno. Ela chegou em meados de dezembro, eu ainda tinha alguns últimos dias de aula. No primeiro dia, deixei-a em casa descansando e fui pra aula. Quando saí da faculdade, que surpresa: o chão estava coberto de neve! Ao chegar, encontrei minha mãe maravilhada, contando como ficou horas olhando pela janela a neve cair. Parecia uma pintura dos cartões de natal que ela guardava quando pequena. Para ela, o primeiro dia com neve foi muito mais marcante do que a ver Torre Eiffel ou a Mona Lisa.

A minha primeira neve foi encantadoramente mágica, porém em outro continente. Aos dezoito anos estudei por um semestre no Nordeste dos Estados Unidos. Cheguei em pleno inverno com o chão coberto de neve, mas eu queria ver os flocos caindo, o que ainda demorou alguns dias. Numa manhã de janeiro, eu estava na aula de redação quando começou a nevar. A sala de aula tinha uns janelões que emolduravam a neve caindo no pátio e eu fiquei hipnotizada com aquela imagem. Uma aluna ao meu lado perguntou o que eu tanto olhava lá fora. “A neve”, eu falei. Ela continuou olhando sem entender. “É a primeira vez que vejo nevar”, completei. A amiga ao lado dela ouviu e comentou com o menino que estava atrás, que falou com o outro amigo. Um burburinho tomou conta da sala. A professora teve que interromper a aula para perguntar o que estava acontecendo. Um menino gritou la do fundo da sala: “É a primeira vez que a Bartira vê neve!”. A professora olhou curiosa para mim e perguntou se era verdade. Confirmei com a cabeça. Ela então disse animada: “Já que é a sua primeira neve, você tem que ver mais de perto! Vamos todos pra fora ver a neve com a Bartira!”. Saímos, tocamos nos flocos, fizemos guerra de bola de neve; todos estavam muito felizes. Acho que o meu primeiro olhar renovou o encantamento daqueles que já estavam tão acostumados com aquela paisagem.